Dificuldades na preparação da ação e construção da solução:
Resumo dos fatos.
A Prefeitura Municipal, autorizada por lei municipal, repassava mensalmente a uma associação de estudantes verbas para subsidiar o transporte dos estudantes para outros municípios. Os repasses passaram a ser feitos por meio de cheques nominais a associação. Valendo-se desse expediente- já irregular -, o então prefeito, na qualidade de titular da unidade orçamentária, determinou a emissão de cheques pós-datados e orientou os estudantes a resgatarem os títulos antecipadamente com o então vice-prefeito e chefe de gabinete, mediante o pagamento de taxa de juros. É dizer: a entidade estudantil recebia o repasse de verbas por meio de cheque nominal para ser sacado em data futura. Em seguida, entregava o cheque ao vice-prefeito em troca de dinheiro. O vice-prefeito calculava sobre o valor do cheque a taxa de juros que aplicaria para desconto do título e abatia essa taxa do valor total do cheque. Então, pagava em dinheiro aos estudantes e recebia o título com endosso em branco. O título era usado para retroalimentar o esquema ímprobo e possibilitar aos réus a realização de saques em dinheiro das contas correntes da Municipalidade.
Estratégia de encerramento da investigação.
Desde que esses acontecimentos e enquanto o Ministério Público investigava os fatos, o prefeito agiota concluiu o mandato e elegeu seu vice como sucessor, que já está para concluir o mandato. Nas pequenas cidades do interior, os atos de improbidade reproduzem-se como planárias. Cada ato gera diversos outros, pois os agentes públicos são despreparados para as funções ou governados apenas por seus interesses privados e desvalores. Talvez por essas razões, vão surgindo nos inquéritos civis diversos atos irregulares em meio à investigação. O dilema: investigar eternamente ou promover ação? Para essa decisão foi fundamental lembrar de reflexões feitas em palestra sobre técnicas de investigação, dada durante o Curso de Adaptação, sobretudo a aplicação do método de delimitação do sítio arqueológico, enfatizado por um dos palestrantes
Optei por promover a ação, pois lá estavam na investigação todos os elementos para configurar as três modalidades de ato de improbidade. Se investigasse mais, seria possível constatar outras irregularidades, que, entretanto, não alterariam a consequência definitiva.
Afastamento cautelar do prefeito atual.
Não incluí esse pedido porque os fatos começaram a ser investigados em 2008. Não será necessário ouvir na instrução funcionários com subordinação ao prefeito. Avaliei que não havia risco para a produção da prova, inclusive diante dos documentos bancários já obtidos no pedido do quebra.
Bloqueio de bens e valor da causa.
Optei por pedir primeiro o bloqueio de bens em nome do prefeito e vice. Caso insuficientes os bens, promoverei ação autônoma para anular a compra de imóvel feita pelo prefeito em nome dos filhos com o dinheiro obtido na agiotagem (ele pagou o imóvel com cheque da prefeitura). Se incluísse o imóvel dos filhos no pedido, os próprios filhos teriam que ser incluídos no polo passivo e isso dificultaria o trâmite da ação, sendo um prato cheio para anular a decisão que autorizou o bloqueio. Contei com valiosa ajuda dos colegas do CAO para construir essa solução e para cálculo do valor da causa, incluindo a multa civil.
Após distribuir a ação, despachei o pedido com o juiz, explicando detalhadamente as razões do Ministério Público.
Representação por crime.
Como neste caso os atos de improbidade também têm repercussão na esfera penal, providenciei cópia integral dos autos e estou preparando a representação à Procuradoria Geral de Justiça para investigação/denúncia do prefeito.
Relação com a imprensa.
A ação foi distribuída em meio ao processo eleitoral. Optei por não divulgar na imprensa a obtenção da ordem de bloqueio de bens dada pelo juiz. O próprio juiz orientou seus funcionários para cautela quanto à divulgação de dados. A preocupação era evitar acusações de que estaríamos manipulando o processo eleitoral. Embora o Ministério Público não tenha divulgado a ação, a imprensa obteve a informação e publicou matéria no jornal, garantindo a informação à população.
Conclusão.
Por conta da ação do Ministério Público, o prefeito atual está com todo o patrimônio (“declarado”) bloqueado e estamos aguardando resposta quanto ao bloqueio de imóveis do prefeito anterior.
Na semana seguinte à efetivação da ordem de bloqueio dos bens, participei de audiência com o prefeito anterior.
No mais, redobrei os cuidados ao sair tarde da Promotoria.
Se não for o Ministério Público, quem vai por o guizo no pescoço do gato?